Desde o início do evangelho de Mateus o diabo
procurou afastar Jesus do projeto de Deus, desvirtuando assim sua imagem como
Filho de Deus. As tentações do início se fizeram presente durante todo o
caminhar de Jesus, até mesmo na hora de sua entrega na cruz. Iniciamos hoje a
Semana Santa e assim o fazemos com a celebração do Domingo de Ramos. Num local
separado da igreja, nos reuniremos para abençoar nossos ramos e depois sairemos
em procissão, com os ramos nas mãos, em direção à igreja onde celebraremos a
Santa Eucaristia. Durante a celebração ouviremos dois evangelhos a serem
proclamados: o primeiro, que vai narrar sua entrada em Jerusalém e o segundo, que
narra a sua paixão. Sempre chama a atenção o paradoxo deste dia: começamos com
a narração de uma entrada festiva e depois escutamos cenas de dor e traição.
Teria algum sentido este paradoxo? É claro que sim! Agora, precisamos olhar com
mais profundidade a Palavra de Deus que nos é proposta para este dia e assim
descobrir a mensagem edificadora e transformadora para os dias de hoje. Além de
Palavra proclamada, escutada, celebrada, deve se transformar em Palavra
encarnada.
A alegria da entrada em Jerusalém não se suste por
si mesma, ela é passageira e tem que ser vista em conexão com o que será
proclamado posteriormente. A multidão Que proclama: “Hosana ao Filho de Davi!
Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!”, ainda não
aprenderam o sentido da confiança incondicional a Deus e o sentido do ser
filho. Isso vai acontecer somente a partir do mistério da paixão. Somente
estender vestes pelo caminho, cortar ramos e proclamar hosanas, não faz um
verdadeiro filho que confia seguramente em Deus. A partir da celebração de
hoje, compreenderemos melhor o sentido da nossa filiação e de nossa confiança
incondicional em Deus.
O discípulo descrito pelo profeta Isaías, que é
capaz de pronunciar palavras de conforto aos abatidos e tem o ouvido atendo
para escutar com atenção, é alguém resistente e não volta atrás. Mesmo diante
de tantas adversidades, ele não desanima, pois Deus é o seu Auxiliador. Do
mesmo modo é a atitude do salmista. São tantos os sofrimentos e perseguições
que chega a nos faltar o fôlego: riem de mim, torcem os lábios e sacodem a cabeça,
cães numerosos e bando de malvados que o cerca, mãos e pés transpassados,
vestes rasgadas e sorteadas... Poderíamos completar essa lista com nossas
tribulações e sofrimentos! Mas o que o faz ter também um comportamento
paradoxal, a ponto de após tantas adversidades, falar em louvor, glória e
anúncio diante de uma grande assembleia? Muito simples, a certeza de que Deus é
a sua força. A confiança, a entrega e obediência, palavras essenciais que não
podem faltar na vida de um discípulo. Frente às situações turbulentas de nossa
vida, devemos sempre mais compreender que somente em Deus encontraremos
refúgio. Se por elas passamos e não sucumbimos, foi por causa de nossa
confiança Nele.
Por fim, gostaria de meditar sobre o verdadeiro
sentido de nossa condição de filhos e filhas de Deus. Em quanto Jesus estava na
cruz, os que passavam e os sumo sacerdotes manifestaram sua concepção do que é
ser Filho de Deus: salvar a si mesmo e descer da cruz. Talvez por essa ótica,
poderíamos entender a celebração de hoje um tanto que paradoxal, pois começou
com acolhida e festa e terminou com um crucificado que não conseguia mais
realizar grandes sinais. Mais o ser filho de Jesus não passa pelo salvar-se a
si mesmo, mas pela obediência, entrega e esvaziamento, que gera vida e exaltação.
É o que hoje vai nos admoestar o apóstolo Paulo em sua carta aos Filipenses.
Jesus não desce da cruz ou não procura a sua própria salvação, ele entrega-se
obediente ao Pai e a toda humanidade, a ponto de gritar fortemente: “Meu Deus,
meu Deus, por que me abandonastes?”.
Com este gesto, vemos surgir um mundo novo e cheio
de esperança. A doação por amor gera vida! Se para muitos a vitória está em
salvar a própria vida e fugir da cruz, Jesus hoje nos mostra que o novo nasce
da doação. Cortina rasgada, tremor de terra, pedras que se partem, túmulos que
se abrem e mortos que ressuscitam, são sinais de um mundo que se desfaz e outro
que se inicia com a entrega de seu espírito, de sua vida. Como entender tudo
isso como um fracasso? Portanto, a celebração de Domingo de Ramos, abertura da
semana santa, nos prepara para o novo que iremos celebrar de um modo mais
intenso, nesses dias. O novo que surge por meio da proclamação de fé do oficial
e seus soldados quando dizem: “Este era mesmo Filho de Deus!” Depois de
contemplarem a entrega de Jesus na cruz, agora entendem o verdadeiro sentido do
ser Filho de Deus.
Fraternalmente,
Padre
Everaldo Santos Araújo
Pároco
da Paróquia Santa Terezinha
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